Quase toda a gente tem a ideia de que não se deve beber enquanto se está a tomar antidepressivos. É quando tentamos perceber porquê que a questão se torna mais complicada. Embora a maioria das empresas farmacêuticas opte pela cautela e desaconselhe o consumo de bebidas alcoólicas enquanto se está a ser medicado para a depressão, a verdade é que não existem assim tantos dados que nos ajudem a compreender a forma como o álcool realmente interfere com estes medicamentos.
De que é que falamos quando falamos de antidepressivos?
Talvez parte desta falta de clareza surja precisamente do facto de ainda ninguém compreender totalmente como funcionam os antidepressivos. De forma muito básica, podemos afirmar que maioria dos antidepressivos aumenta ou manipula os níveis de neurotransmissores específicos no cérebro.
Nem todos o fazem da mesma forma. Há várias categorias de antidepressivos, sendo os mais comuns os:
- Inibidores selectivos da recaptação da serotonina (ISRS, SSRI na sigla inglesa)
- Inibidores da recaptação da serotonina e noradrenalina (IRSN, SNRI na sigla inglesa)
- Inibidores da monoamina oxidase (IMAO, MAOI na sigla inglesa)
- Antidepressivos tricíclicos
Os antidepressivos tricíclicos, por exemplo, aumentam comprovadamente os efeitos sedativos do álcool. E combinar antidepressivos IMAO com o álcool pode levar a um aumento da pressão arterial.
Mas os IRSN e os ISRS são mais modernos e tendem a causar menos efeitos secundários. São, por isso, frequentemente apelidados de “antidepressivos de segunda geração” e costumam ser os primeiros a ser receitados a quem começa a tomar medicação.
Dos ISRSs fazem parte medicamentos como a paroxetina (Paxil, Pexeva, Brisdelle), a Sertralina (Zoloft), o Citalopram (Celexa) e a Fluoxetina (o célebre Prozac).
Este artigo publicado no The Pharmaceutical Journal revela algo particularmente curioso acerca da interacção do àlcool com os ISRSs: não sabemos assim tanto acerca dela.
Praticamente todos os antidepressivos analisados pelos autores incluíam recomendações para não se consumir álcool durante o tratamento. No entanto, quando lhes foram solicitados dados de ensaios clínicos ou estudos experimentais acerca do assunto, a maioria das farmacêuticas partilhou resultados em que os antidepressivos não tinham aumentado de forma significativa os efeitos do álcool nos participantes.
Conclusões essas que contrastam com os frequentes relatos que sugerem existir uma ligação entre o consumo de álcool durante o tratamento com antidepressivos ISRS e o fenómeno conhecido como Embriaguez Patológica ou Intoxicação Alcoólica Idiossincrática. Nestes casos, há
uma embriaguez excessiva em relação à quantidade de àlcool que se bebeu. Isto tanto pode resultar em situações ligeiramente embaraçosas como em episódios de violência e desinibição extrema.
Posto isto, talvez lhe esteja a ocorrer deixar de tomar os medicamentos antes de uma festa em que conta beber ou consumir outro género de substâncias.
Não é grande ideia.
A descontinuação abrupta dos antidepressivos ISRS pode causar sintomas como náusea, irritabilidade, dores de cabeça e insónias que, no limite, se podem prolongar durante meses. Por outro lado, alguns destes medicamentos demoram semanas até desaparecerem totalmente do corpo – as reacções adversas ao álcool continuam a ser possíveis.
Mais razões para pousar o copo
Embora não existam conclusões acerca da ligação dos antidepressivos ISRS a este fenómeno, há outras razões para evitar o álcool quando se está a procurar tratamento para a depressão.
Apesar de ser ligado à euforia e ao relaxamento, o álcool é considerado um depressor do sistema nervoso central. É precisamente esta capacidade de reduzir a actividade cerebral e nervosa que leva às sensações agradáveis e à redução das inibições associadas ao seu consumo moderado. Se sofre de depressão, é bem possível que isto lhe soe apelativo. E é precisamente aí que está o problema.
Há uma convergência bastante grande entre a depressão e o alcoolismo. Alguns investigadores tentam explicá-la através da chamada “hipótese da automedicação”, que sugere que quem sofre de depressão pode ter começado por se automedicar com álcool para amenizar os sintomas.
Há pelo menos um estudo recente que parece apoiar esta hipótese, ao sugerir que os efeitos do álcool no cérebro são semelhantes aos de uma espécie de antidepressivo de acção rápida.
A autora do estudo, Kimberly Raab-Graham, faz questão de avisar que “há uma linha muito ténue entre aquilo que é uma ajuda e aquilo que é prejudicial, e há um ponto durante o uso prolongado em que a automedicação se transforma num vício.”
Também é importante enfatizar que as conclusões do estudo só dizem respeito aos efeitos a curto prazo. Há indícios de que o consumo prolongado de álcool pode potencializar os sintomas da depressão, e até aumentar o risco de a desenvolver.
A resposta à pergunta “posso ou não beber álcool?” depende do seu historial pessoal, da medicação específica que está a tomar e da opinião do seu médico. Se não tem a certeza se deve cortar totalmente com o álcool ou apenas limitá-lo e manter-se vigilante, nada melhor do que perguntar na próxima consulta.
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